A INDÚSTRIA DA MODA E O SLOW FASHION

Quando você compra uma blusa nova, você já parou para pensar em como aquele produto chegou até àquela estante da loja? Ao olhar para o seu guarda-roupa, já passou por aquela situação de, apesar de vê-lo cheio, pensar que não tem roupa para alguma ocasião? Por que será que a maioria de nós já sentiu ou sente isso e, muitas vezes, nem se dá conta de como o que compramos é produzido? Eu queria conversar um pouco com você sobre isso, porque penso que nos comunicamos pela nossa roupa, na moda, como uma expressão do que queremos dizer. Moda é discurso, narrativa e, também, uma escolha política.

Muito desse modo de agir e pensar, na busca por novidades de vestuário todo tempo, é incentivado pelo fast fashion. Esse é um modelo de produção da indústria da moda que se fortaleceu com o avanço de grandes corporações, geralmente caracterizado pelas lojas de departamento. Uma lógica bastante problemática de funcionamento, com graves impactos no meio ambiente e mesmo na saúde mental das pessoas, fazendo-as acreditar que só são felizes pelo consumo.

Os impactos ambientais e sociais são imensos. A indústria têxtil e de confecções é a segunda mais poluente do mundo. A maneira como é realizado o cultivo e a extração das matérias-primas são nocivos ao planeta. No caso do algodão, há modificação genética e patenteamento das sementes, o que carrega como consequência mais uso de fertilizantes e pesticidas, que poluem solos e rios; e dificuldades para que pequenos agricultores acessem as sementes, fortalecendo apenas grandes corporações. A produção do poliéster é super poluente, demandando 70 milhões de barris de petróleo por ano. E pior, essa fibra demora cerca de 200 anos para se decompor. Algo nada sustentável.

Uma questão que considero super importante é do impacto na vida das pessoas que estão envolvidas na base dessa cadeia de produção, as suas trabalhadoras. Mais de 40 milhões de pessoas trabalham na indústria têxtil no mundo todo e 85% são mulheres. No caso do Brasil, são cerca de 1,5 milhão de postos diretos e 8 milhões de postos de trabalho indiretos. E 75% dessa mão de obra é feminina. O modelo de consumo rápido, em que a cada semana há algo novo no mercado e a preços muito baixos, tem impacto direto na vida dessas mulheres. Muitas vezes, as condições de trabalho são péssimas, os salários são baixíssimos. E, muitas vezes, estamos tão focadas em consumir uma peça por um valor “em conta” que não pensamos em tudo isso e acabamos nos descomprometendo sobre isso.

Daí que o movimento do slow fashion e as discussões em torno de uma moda consciente são tão importantes para mim. Esse é um movimento que vem crescendo de forma consistente. Ainda bem!

A moda consciente é uma proposta para que a gente pense sobre o que consumimos, porquê consumimos, como o produto é produzido, quem o produziu e quais impactos foram gerados daquela produção. E também envolve nós pensarmos sobre como descartamos, ou se descartamos, essas peças. É uma moda totalmente comprometida com valores comunitários, éticos, sustentáveis e com diversidade. A moda consciente demanda de nós, consumidoras, uma ação ativa em relação ao que consumimos, incentivando produções em menor escala, que utilizem o máximo de matérias orgânicas, que pensemos em materiais duráveis e deixemos para trás essa ideia de roupa nova toda semana. Ser uma consumidora ativa significa tomar consciência sobre o que consumimos e o nosso papel nisso tudo.

E o movimento slow fashion vem nesse caminho. Não é só uma negação do fast fashion, mas muito mais. Surgido nos anos 2000, é uma proposta que nos convida a transformar o nosso olhar e a nossa relação com a moda, respeitar o ciclo e o tempo da natureza e que valorizemos a produção local. Uma das questões importantes é da relação de transparência e da confiança a partir da proximidade e conhecimento de todos os agentes envolvidos na produção, a atuação colaborativa e cooperativa entre todos os atores envolvidos nesse ciclo, o reuso, a reciclagem e a personalidade que cada roupa pode ganhar e o prolongamento da vida útil das peças.

Nessa perspectiva, porque estamos falando mesmo sobre um outro modo de pensar sobre nós e o mundo, temos em mente de que moda é composta por escolha e que elas também envolvem investimento em peças atemporais e que pensemos com mais cuidado sobre o que queremos dizer e como queremos representar nossas identidades com as nossas roupas.

Mas, mais do que termos esse trabalho sobre o consumo, o movimento slow fashion também tem forte discussão sobre um comércio justo, sobre condições dignas de trabalho e direitos para os trabalhadores de toda a cadeia produtiva. E, principalmente, em soluções e cooperações de pequenas marcas, estilistas e designers com as costureiras, parte importantíssima nisso tudo.

Historicamente, são as mulheres que produzem tecidos e roupas, que bordam, que costuram, que remendam. Antigamente, essa tarefa se confundia com os afazeres domésticos. Depois, passaram a ser ramos de trabalho de famílias, até que, com a Revolução Industrial, houve uma virada total e a profissionalização dessa produção. As mulheres foram, então, trabalhar em grandes tecelagens, em fábricas. A história de organização do feminismo, está super ligada à luta das mulheres por melhores condições de trabalho nessas indústrias.

A moda consciente e o slow fashion têm a preocupação com o comércio justo, em que nós paguemos o valor justo diante do custo da produção de uma peça de qualidade e que todos os envolvidos sejam remunerados de forma digna e justa. E estamos vendo, com isso, uma valorização dessa profissão ganhando força. Isso impacta diretamente na construção de autonomia econômica das mulheres e seu empoderamento.

O slow fashion também está atrelado em desenvolver uma moda acessível, pois a produção massificada do fast-fashion insere padrões de modelagem que não pensam em vestir todos os tipos de corpos que existem. Quando temos um olhar mais próximo para os nossos consumidores, conseguimos dar acesso para que pessoas de diferentes tamanhos tenham roupas de diferentes estilos e com qualidade. Moda vai além de se vestir, é dar oportunidade de socialização de pessoas, das mais magras às mais gordas, das mais baixas às mais altas, contribuindo também para lutas contra a gordofobia e capacitismo, por exemplo.

É lindo participar dessa transformação. Porque você sabe que está consumindo produtos com qualidade, estabelece uma relação que não é só de troca, mas de total reconhecimento e identidade com os produtores, com as marcas e estilistas e sabe que está contribuindo por um mundo de direitos, respeito e sustentável.

Moda é uma forma de expressão, é ativismo, é expressão política. E acho bem interessante citar que eu não acredito que para termos um consumo de moda consciente trata-se somente sobre comprarmos roupas usadas, mas sim de reverter o olhar para além das vitrines.

O vintage e as roupas de segunda mão protagonizam a maior parte das minhas felizes escolhas quando falamos em consumo de moda. É curioso porque, quando olho pra trás, percebo que isso cresceu comigo, passei a adolescência toda fazendo roupas pra mim e paras minhas amigas na costureira do bairro, ia em feiras tipo mercado mundo mix, comprava em brechós, buscava peças diferentes, novos designers, trocava roupas com as amigas e mal sabia que, assim, também ampliava minha consciência sobre o assunto.

Embora tenha estudado e goste muito de moda, tenha pertencido de várias formas a este universo, a sensação que eu tenho é que eu sempre soube que aquele ritmo acelerado não me tocava, eu não me encaixava. É claro que já passei por todas as fases, anos depois, viajando a trabalho sozinha, morando no exterior, eu era seduzida pelas tendências e comprava bastante em fast fashions, até entender que o ciclo de vida daquelas peças onde eu gastava o dinheiro do meu trabalho não fazia o menor sentido, e assim fui evoluindo, aos poucos, pra forma com que eu consumo hoje em dia.

O lado bonito da moda é que ela é uma expressão artística muito potente pra quem cria, carregada de história e reflexos comportamentais da sociedade, ao mesmo tempo em que é uma ferramenta de expressão muito especial pra quem consome. A forma com que nos vestimos é também o que desejamos expressar pro mundo,  é o nosso cartão de visitas. E aí é que entra a importância de entendermos realmente nosso poder nesse universo e o quão importante pra sociedade e pra natureza é nos apropriarmos verdadeiramente do que consumimos.

 

Texto por:  Mônica Benini, Juliana Borges e Flá Carves

 

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