Acho que nunca estivemos em uma fase onde o feminismo estivesse tanto em pauta quanto a que estamos vivendo agora. São projetos de lei que pareceria piada se não parecessem pesadelos, crianças sendo vítimas de pedofilia em rede nacional, é uma falta de respeito que não temos nem como medir. Aí, de repente, num final de semana aparentemente comum para adultos de 30 anos como eu, milhões de jovens estão em uma cadeira com um papel na frente sendo motivados a pensar sobre a violência contra mulher… Feminismo no ENEM! Quem diria? Aí vem uma enxurrada de textos, depoimentos e gritos de “basta!” sendo compartilhados aos montes nas redes sociais e ecoando pra fora da tela. Eu entro nesse coro de peito aberto!
Sempre pendi mais pro lado feminista, sempre acreditei no poder da mulher. Eu fui a adolescente que questionava, que se indignava, que respondia cantadas na rua com uma educação nem sempre compatível à que recebi da minha mãe, é que quando a gente é desrespeitada, algumas coisas ficam de lado nas nossas reações impulsivas. Eu fui criada com minha mãe repetindo, como um mantra, que eu deveria me tornar uma mulher independente – e forte. No entanto, todo esse discurso não fez com que eu me sentisse violentada, desrespeitada e abusada durante a vida toda, até mesmo porque todo esse desrespeito que sofremos se encontra mascarado no nosso cotidiano e a gente precisa parar e olhar pra si pra conseguir enxergar que o que achamos ser normal, na verdade, de normal não tem nada.
Sofri abuso quando vivenciei homens agredindo mulheres fisicamente, abusando da força. Sofri abuso em todas as vezes que as pessoas próximas a mim me pediram pra não colocar mais o dedo na cara daquele homem na rua que me desrespeitava (tive o prazer de fazer isso algumas várias vezes). Abuso também sofri quando senti uma mão sendo passada em mim sem meu consentimento no metrô. Sofri abuso todas as vezes que fiquei escondidinha no canto da balada pra fugir de homens bêbados passando dos limites. Me senti abusada todas as vezes que minhas amigas ficaram envergonhadas por eu responder aquele cara que falava “gracinhas” ao passar de carro por nós na rua, mesmo eu sabendo que minha resposta não passava de um grito de uma mulher cansada com a falta de respeito diária. Sofro abuso ao sentir medo de andar sozinha à noite, ao me intimidar ao entrar num taxi com um motorista homem. Sofro abuso quando sinto que preciso cruzar a rua pra evitar ouvir os comentários maliciosos do grupo de homens que vejo na calçada. Sofro abuso quando subo o volume dos fones de ouvido pra não ouvir nada do que falam pra mim. É abuso quando preciso amarrar alguma coisa na cintura pra não deixar minha bunda à mostra quando uso legging. É abusivo a desproporcionalidade salarial que existe entre homem e mulher. É abuso quando vejo a discriminação em relação às tarefas domésticas, quem disse que é só coisa de mulher? Cada uma dessas coisas, cada um desses desrespeitos quase diários deixam marcas eternas em nós. Eu, sinceramente, não consigo entender a maldade doente que existe nos homens que sentem prazer em nos deixar mal, seja com uma palavra, um gesto ou por deixar claro que está nos enxergando como um pedaço de bife.
Eu me sinto até mal por generalizar, por fazer parecer aqui que todos os homens são iguais, sendo que eu convivo com homens maravilhosos e cheios de respeito, mas não vejo outra forma pra falarmos disso, então desculpe-me. Cansamos de ser silenciadas, cansamos da cultura, opressora e eu acho que, finalmente, as pessoas começaram a enxergar o feminismo da maneira como ele deve ser enxergado, como uma luta por igualdade, respeito, liberdade de ir e vir, e não como um desejo de sermos maiores e mais fortes que os homens, porque não se trata disso. Não é uma guerra entre gêneros, muito pelo contrário.
Então, enquanto houver necessidade de entoar todos esses gritos, eu vou desejar profundamente que eles sejam feitos, que não nos falte mais voz e força. Porque feminismo não é ameaça, não é exclusivo para mulheres, é uma semente preciosa para colocarmos na cabeça dos nossos filhos… eu tenho certeza de que um mundo melhor depende também de sermos todos feministas. Vamos nessa, manas?
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